sábado, 31 de agosto de 2013

Acredite se quiser - Matrioska.


Samuel brincava sentado na sala, bem onde sua mãe Soraia o mantinha sob vigia. Garoto de sete anos, sapeca e cheio de imaginação, virava e mexia, surgia uma história. Mas não naquele dia, se ele soubesse o que estava para acontecer...

Brinquedos espalhados à sua volta, pareciam ter vida, conversava, dava ordens, colocava de castigo e fazia manutenção como se fora uma cirurgia. Algo lhe chamou a atenção. Foi na estante da sala, um movimento. Mas não havia nada para ter movimento, além do mais, a televisão estava desligada. Havia vasos de flores, artificiais, é claro, decisão de sua mãe, depois de Samuel espalhar pétalas e terra por todo o tapete. Algumas bonecas estranhas, um gato de gesso e vários quadros, com fotos de toda a família. Havia também uma bonequinha dourada, parecida com ovo de páscoa. Desistiu de ficar olhando e voltou aos seus brinquedos.

Alguns minutos se passaram e novamente um movimento, mas desta vez Samuel percebeu, fora a bonequinha estranha. Ela havia andado, ele dividiu seu olhar entre a mãe na cozinha e o objeto na estante. Sabia da ordem de sua mãe, não queria receber outro castigo, mas o que fazer? A bonequinha continuou a andar, pior, levantou seu bracinho e acenou para que ele fosse até lá. Empurrou um de seus carrinhos até perto da estante.

_ Mãe.
_ Que foi?
_ Posso resgatar meu carrinho? Ele foi para perto da estante. - a mãe chegou até a porta e constatou que o carrinho estava perto da estante.
_ Um pé lá e outro de volta. Vou contar até dez. - falou, voltando aos seus afazeres.

_ Um! - sem perder tempo Samuel levantou e foi até a estante, antes pegou o carrinho do chão.
_ Dois. - ao se aproximar da bonequinha, esta lhe sorriu.
_ Você é bem inteligente. Nós gostamos de você. - Samuel deixou o carrinho cair de sua mão.
_ Três.
_ Nós?
_ Quatro.
_ É, eu e minhas irmãs!
_ Cinco!
_ Irmãs? Que irmãs? Mas como você pode falar?
_ Seis, Samuca, você está demorando.
_ É que caiu a rodinha mãe, vou colocar e já volto. - Samuel tinha resposta para tudo.
_ Sete.
_ Onde estão suas irmãs? Responde logo!
_ Aqui mesmo, oras.
_ Oito. - enquanto a contagem seguia, de dentro da pequena boneca, saíram outras, uma de dentro da outra.
_ Nove. - todas sorriam e acenavam para Samuel, atônito. Elas andavam e dançavam, enquanto Samuel não sabia o que fazer.
_ Dez. Cadê você Samuel? - a mãe vai até a sala e vê que o filho ainda está perto da estante. _ Que é que você está aprontando?
_ Mãe, estas bonecas falam. - Samuel tinha pouca idade, mas sabia que beirava a mentira, o que dizia.
_ Sei, e vai dizer que elas saíram sozinhas, uma de dentro da outra? Samuel, precisa parar com isso, em algum momento vai precisar dizer a verdade e ninguém vai acreditar.
_ Mãe, eles dançaram! - disse, quase implorando, enquanto a mãe recolocava uma dentro da outra, novamente.
_ Quer ficar de castigo? Quer?
_ Não.
_ Então pega seu carinho e volta para seus brinquedos, onde eu possa estar lhe observando.
_ Tá bom! - Samuel volta sentar junto a seus brinquedos, mas sua atenção é constantemente atraída para a estante.
_ Mãe?
_ Que foi agora meu filho?
_ Qual o nome daquelas bonecas?
_ Matrioska! São russas!
_ Se elas pudessem falar, elas falariam em russo ou em brasileiro?
_ Acredito que falariam na língua delas. E não falamos brasileiro, falamos português.
_ Mas estamos no Brasil, não em Portugal. Não é mesmo? - silêncio na cozinha.
_ Mãe?
_ Oi filho, é que não sei o que lhe responder. Mas no Brasil falamos português, é isso!
_ E se falasse português?
_ De quê está falando menino, nós falamos português.
_ As bonecas.
_ As bonecas não falam, são apenas enfeites.
_ Mãe?
_ Filho, preciso preparar o almoço. Brinca quieto vai.
_ Mãe, as bonecas estão descendo da estante.
_ Está bem, e tem uma mula sem cabeça amarrada no quintal. - ironiza a mãe.
_ Não pode mãe.
_ Claro que não filho. Não existe mula sem cabeça.
_ Mãe, não pode amarrar uma mula sem cabeça, ela ia escapar.
_ Porquê?
_ Porque a corda não ia ficar presa no pescoço. - novo silêncio da mãe.
_ É, tem razão. - Soraia mantinha os olhares divididos entre os afazeres da cozinha e o filho na sala.
_ Mãe?
_ Samuca, fica quieto, só por alguns momentos.
_ Mãe, você vai brigar comigo se as bonecas estiverem aqui do meu lado?
_ Você quer pegá-las? Se eu deixar, você fica quieto?
_ Elas já estão aqui.

A mãe do garoto, pronta para dar outra bronca e Samuel, vai até a sala e quase tem um troço. Lá estavam a cinco bonequinhas. Olha para a estante, desacreditando. Olha para o filho, incrédula. Não havia tirado os olhos do filho, havia colocado as bonecas numa altura em que Samuel, dificilmente alcaçaria, mas as bonecas estavam ali. Não sabia o que dizer.

_ Como pode?
_ Eu te falei! - disse Samuel.

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Texto e criação do autor J.C.Hesse, especificamente para este blog, ao utilizar este texto, por favor, não se esqueça de mencionar a autoria e a fonte. Meu Twitter: JCHesse Abraços, J.C.Hesse (procure no google)

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